O que a matemática e as estratégias adotadas em jogos podem ter a ver com evolução pessoal?
Será que a matemática pode explicar o processo de evolução de cada pessoa?
Será que a ciência consegue explicar como podemos nos transformar em versões melhores de nós mesmos?
Existe um ramo da matemática que estuda a lógica das decisões que tomamos,
Que estuda qual é a melhor estratégia para obtermos os melhores resultados.
Esse ramo de estudo científico é chamado de teoria dos jogos.
E embora tenha sido desenvolvido para estudar e compreender o comportamento das decisões econômicas,
ele já foi utilizado para compreender muitos outros campos de estudo,
inclusive já foi aplicado para estudar o comportamento animal e a evolução das espécies pela seleção natural.
Você já assistiu ao filme "Uma mente brilhante"?
É um filme que conta a história da vida do matemático John Nash,
Que além de ser um gênio, ele também sofria de esquizofrenia grave.
Mas, mesmo com os percalços e os desafios de sua vida,
John Nash ganhou um prêmio Nobel por descobrir uma estratégia de jogo em que todos ganhavam.
Nash queria muito encontrar um equilíbrio nas relações onde ninguém saísse perdendo.
Ele queria encontrar uma estratégia de jogo, em que no final, todo mundo saísse ganhando.
Porque as relações são sempre tratadas de forma competitiva,
Ou seja, para alguém ganhar, alguém necessariamente tem que perder.
Mas Nash conseguiu calcular matematicamente uma estratégia em que todos ganham.
Essa estratégia ficou conhecida como "Equilíbrio de Nash"
e foi o que conferiu a ele o prêmio Nobel.
E que estratégia é essa que ele descobriu?
Segundo o Equilíbrio de Nash, o melhor resultado em um jogo
não é obtido quando todos agem pensando em fazer somente o que é melhor para si.
De acordo com Nash, o melhor resultado é obtido
quando todos agem pensando no que é melhor para si,
mas considerando também o que é melhor para todos os outros participantes.
Ou seja, se todos pensarem em uma solução que seja boa para si e também para os demais,
ninguém perde e todos ganham.
Não haverá competição, mas sim cooperação para obtenção de resultados melhores para todos.
Mas como que é essa estratégia?
No filme, a estratégia do equilíbrio de Nash é simplificada da seguinte forma:
Em um grupo de quatro amigos todos querem conquistar a garota mais bonita no bar.
E para obterem esse resultado, todos eles entram em competição entre si,
para disputar o coração da garota.
E nessa competição um vai eliminando o outro para tentar obter a vitória.
Porque afinal de contas, só um pode conquistar o coração da garota mais bonita do bar.
Aqueles que perdem, buscam então conquistar as demais garotas no bar.
Mas essas não aceitam nenhum deles,
porque elas se sentem ofendidas por terem sido tratadas como a segunda opção.
Ou seja, porque eles perderam tempo tentando conquistar o coração da garota mais bonita,
eles perderam a oportunidade de conquistar o coração das demais.
Portanto, nessa estratégia competitiva
em que o objetivo originário de cada um é perseguir apenas a sua melhor opção,
desconsiderando as situações dos demais,
leva à derrota de praticamente todos,
pois quase todos os jogadores saem do bar desacompanhados.
Nesse modelo de competição, ao final do jogo, apenas um ganha e os outros três saem sem nada.
Mas, seguindo a estratégia de equilíbrio de Nash,
o ideal é que o objetivo inicial seja uma mescla
entre o que é melhor para si e o que é melhor para os demais do grupo.
Sob essa perspectiva, não vale a pena competir pela garota mais bonita,
já que o resultado seria negativo para quase todo o grupo.
A melhor estratégia seria ignorar a garota mais linda,
e cada um focar em conquistar uma outra garota do bar.
Agindo dessa forma, os garotos então não estariam competindo uns com os outros,
As garotas se sentiriam elogiadas por serem suas primeiras opções.
E todos, garotos e garotas, provavelmente sairiam do bar acompanhados.
Assim, de acordo com o equilíbrio de Nash, todos poderiam sair ganhando.
O problema é que a competição se tornou um paradigma em nossas vidas.
Temos a impressão de que tudo é uma grande competição.
Acreditamos que sempre estamos em uma disputa pelo primeiro lugar,
Que devemos lutar para vencer.
E que somente venceremos quando fizermos os outros perderem.
Porque afinal de contas temos como premissa
o fato de que para um ganhar, os outros precisam perder.
No entanto, Nash demonstrou matematicamente que há uma estratégia ótima.
Uma percepção diferente do jogo da vida,
diante da qual não é necessária a existência de perdedores para que existam vencedores.
Portanto, a nossa percepção sobre o jogo da vida está limitada.
O paradigma de que a competição é a única forma de jogar,
o paradigma de que sempre existem vencedores e perdedores,
o paradigma de que para ganharmos os demais devem perder,
é um paradigma limitado, porque não existe só essa forma de jogar.
É um paradigma equivocado,
porque não é imperativo que existam vencedores e perdedores.
É um paradigma ineficiente,
porque há outra forma de jogar em que todos podem sair com resultados satisfatórios.
E mais, existe outra forma de jogar que foi matematicamente comprovada que funciona.
Portanto é equivocada a nossa percepção de que a única forma de jogar é por meio da competição.
Matematicamente a competição não é a única, e nem a melhor, estratégia de jogo.
E John Nash comprovou isso, e ganhou um prêmio Nobel por isso.
Então agora nós já sabemos que existe essa estratégia de jogo em que todos ganham.
Mas, pra deixar a conversa ainda mais confusa, eu vou te contar uma coisa,
a nossa concepção sobre o que é um jogo também é limitada.
Porque também não existe somente um tipo de jogo, como a gente sempre acreditou.
Indo mais a fundo sobre a teoria matemática dos jogos
e a sua relação com a ideia de transformação pessoal e de evolução,
Descobrimos que existem duas modalidades de jogos.
Os jogos finitos e os jogos infinitos.
Segundo os estudos matemáticos, esses jogos possuem as seguintes características:
De um lado temos os Jogos Finitos.
Ou seja, como o próprio nome diz, são jogos que começam e terminam.
São os jogos que tratam da perspectiva de vida sob um olhar competitivo.
Que nós já conhecemos e que já estamos familiarizados.
Nesses jogos finitos, todos os jogadores são conhecidos.
Todas as regras são fixadas antes do jogo começar.
E no qual todos concordam com o objetivo final a ser atingido.
Um exemplo de jogo finito é um jogo de futebol.
Antes de começar o jogo são definidos os jogadores que irão jogar,
as regras que serão aplicadas e que o objetivo do jogo será fazer mais gols.
E todos os competidores concordam com tudo isso.
Assim quem fizer mais pontos durante os 90 minutos de jogo, vence e o jogo acaba.
Por isso é considerado um jogo finito.
De outro lado temos os Jogos Infinitos.
Que como o próprio nome diz, não tem fim.
São os jogos que tratam da perspectiva de vida sob um olhar continuativo.
Nesses jogos infinitos, não dá para conhecer todos os jogadores que participarão do jogo,
Porque ele é um jogo que nunca acaba.
Então existem jogadores que já são conhecidos,
mas podem surgir novos jogadores que não são conhecidos ainda.
Da mesma forma, as regras não são fixadas no início do jogo.
São estabelecidas regras, mas elas podem mudar, se adaptar durante o jogo.
Diferente do jogo finito de futebol, em que não dá pra mudar as regras no meio da partida.
E ainda, nos jogos infinitos, não existe um objetivo pré-determinado a ser atingido.
Os objetivos também podem mudar e se adaptar durante o jogo.
Diferente do jogo finito de futebol,
em que desde o começo da partida sabemos que quem fizer mais gols ganha.
O objetivo dos Jogos Infinitos é simplesmente manter o jogo funcionando.
O objetivo é perpetuar o jogo, pra que ele nunca acabe.
Então também não existem vencedores, porque o foco está no jogo e não nos competidores.
Jogos finitos, portanto, são jogos competitivos;
jogados com o propósito de se obter a vitória.
São jogos definidos para conquistar.
Jogos Infinitos são jogos continuativos;
jogados com o propósito de continuar jogando.
São jogos definidos para continuar a existir.
Quando todos os jogadores sabem que estão jogando um jogo finito, um jogo competitivo,
o sistema é estável.
Um campeonato de futebol, por exemplo, é estável.
Todos competem pela vitória sem se destruírem.
A competição leva os times a se aperfeiçoarem em cada temporada.
A buscarem estar cada vez melhores,
para tentarem obter a vitória no próximo jogo, na próxima temporada.
Quando todos os jogadores sabem que estão jogando um jogo infinito, um jogo continuativo,
o sistema também é estável.
Na Guerra Fria, por exemplo, nem EUA e nem URSS estavam jogando para ganhar,
Eles estavam apenas jogando para manter o jogo do mundo vivo,
lapidando suas estratégias para não entrarem uma destruição atômica mundial e catastrófica.
E não teve vencedores ou perdedores na Guerra Fria.
Porque no jogo infinito não tem como haver um vencedor e um perdedor,
porque não existem vencedores e perdedores nos jogos infinitos.
O que acontece é que os jogadores param de jogar quando perdem a vontade de continuar jogando,
ou param de jogar quando não possuem mais recursos para se manter no jogo.
Foi o que aconteceu com a URSS na Guerra Fria, ela não pode mais jogar, e saiu do jogo.
O grande problema surge quando uma pessoa age como se estivesse jogando um jogo finito,
ou seja, quando uma pessoa age competindo para ganhar,
contra outra pessoa que age como se estivesse jogando um jogo infinito,
contra outra pessoa que não está competindo para ganhar,
mas que está jogando pra manter o jogo funcionando.
Acontece que a maioria das situações de nossas vidas são jogos infinitos,
Conhecemos alguns envolvidos, mas não todos,
As regras normalmente são adaptadas no decorrer dos eventos.
E normalmente não existe um objetivo pré-determinado a ser atingido.
Exemplo disso é o mundo dos negócios.
O jogo dos negócios existe há muitos anos e continuará existindo por muito tempo.
Mas o jogo dos negócios pode parecer um jogo competitivo, finito,
Mas é um jogo infinito.
Os jogadores se modificam com o passar do tempo,
porque empresas novas entram no jogo, empresas antigas saem, outras permanecem.
Não há regras pré-fixadas.
Elas vão se adaptando e se readequando no decorrer dos anos.
Então no final das contas, não há vencedores no jogo dos negócios, porque o jogo não tem fim.
Contudo, tem pessoas que jogam como se o jogo dos negócios fosse um jogo finito.
Essas pessoas trabalham com o objetivo de vencer a competição.
Mas isso é uma grande ilusão, porque o jogo dos negócios é infinito, não há necessariamente competição.
Tem empresas que sacam isso e que trabalham com o objetivo de permanecerem no jogo.
A Apple e a Harley são exemplos claros de empresas que jogam um jogo infinito.
Elas não melhoram os seus produtos para venceram a competição.
Elas estão sempre melhorando os seus produtos para se manterem no mercado.
Elas sabem que não podem ser eternamente a primeira, a melhor, a maior.
Mas elas sabem que precisam se inovar para continuarem jogando.
Empresas que acreditam estar jogando um jogo finito são obcecados pelos seus concorrentes,
porque eles querem sempre vencer a ilusória competição que eles acreditam que existe.
Empresas que sabem que estão jogando um jogo infinito são obcecados
em traçar novos destinos para onde querem chegar.
Elas não estão tão preocupadas com o que a concorrência está fazendo ou deixando de fazer.
Elas estão preocupadas com o que elas podem fazer e com o que elas estão fazendo ou deixando de fazer.
Jogadores infinitos, portanto, competem com eles mesmos,
Eles sabem que não é possível ser sempre o primeiro lugar,
Eles sabem que ser o primeiro lugar não é o mais importante.
O mais importante é continuar no jogo.
E para isso, o objetivo dos jogadores infinitos é estar sempre se adaptando, se aperfeiçoando,
Seu objetivo é ser sempre uma versão melhor de si mesmo.
Porque só assim eles continuarão no jogo.
E o que isso tudo tem a ver com evolução pessoal?
Com transformação interior?
Acontece que jogos finitos representam momentos de estabilidade.
E jogos infinitos representam momentos de caos em nossas vidas.
Ter uma perspectiva de vida de jogo infinito
é perceber que a vida não é sobre vencer ou perder,
mas é sobre se adaptar, se transformar, evoluir para permanecer jogando.
No jogo finito, na competição, estamos agindo na estabilidade,
porque todos os fatores que interferem na nossa vida são conhecidos e predeterminados,
as condições de temperatura e pressão são estáveis.
E dentro desse ambiente de estabilidade procuramos ser os melhores dentre os demais.
Procuramos vencer às custas da derrota dos outros.
No jogo infinito, na continuidade, estamos agindo no caos,
porque os fatores que interferem em nossas vidas não são totalmente conhecidos e nem premeditados.
As condições de temperatura e pressão se alteram com o passar do tempo.
E dentro desse ambiente de instabilidade, de caos, somos obrigados a nos adaptar para sobrevivermos.
Procuramos nos transformar em versões melhores de nós mesmos para permanecermos no jogo,
independentemente da vitória ou da derrota dos outros.
Por isso, é preciso sabermos bastante bem quando estamos em competição,
quando estamos em condições de estabilidade,
quando sabemos com certeza as regras, quais são os demais competidores,
e quando sabemos com bastante precisão qual é o objetivo a ser atingido para vencer.
É preciso também sabermos com bastante clareza quando estamos diante de em um jogo infinito,
quando estamos em condições de caos,
quando as regras são variáveis, quando as pessoas envolvidas podem se alterar,
e quando o objetivo a ser atingido não é delimitado.
Porque na competição, no jogo finito, jogamos para ganhar
e no caos, no jogo infinito, jogamos para permanecer jogando, para evoluir e passar para a próxima fase.
Mas tem gente que encara a família como um jogo finito,
e vive em competição com seus familiares.
Tem gente que encara o trabalho como um jogo finito,
e vive em competição com seus colegas.
Precisamos mudar a nossa percepção sobre as situações e relações que temos.
Precisamos perceber que quase 99% das vezes não estamos diante de jogos finitos, de competição,
Precisamos perceber que quase 99% das vezes, estamos diante de jogos infinitos, de possibilidades de evolução.
Essa mudança de percepção é imprescindível para começarmos a permitir a transformação em nós.
Do contrário, estaremos sempre mudando para obtermos vitórias ilusórias,
mas não estaremos evoluindo,
não estaremos nos adaptando para nos transformarmos em versões melhores de nós mesmos.
Estaremos focados em superar os nossos supostos concorrentes, adversários,
E não estaremos focados em nos transformar em nossas melhores versões.
Porque normalmente o que nos permite vencer os outros,
não é o que transforma a nossa alma,
não é o que nos conduz a evoluir.
Nós temos uma visão engessada de que existe apenas uma cadeira para o primeiro lugar.
(só uma garota bonita no bar)
E então ficamos todos competindo uns com os outros para termos o direito
de enfim disputar pela cadeira do primeiro lugar.
E assim a vida se resume a uma grande competição pelo trono.
Ficamos todos nos andares de baixo, disputando a subida para chegarmos mais próximos do trono.
E quem chega lá, precisa ainda vencer quem já está lá.
Quem chega lá precisa conquistar o direito de finalmente sentar no grande trono.
Acontece que isso é uma grande ilusão,
que pode nos manter aprisionados em uma fase evolutiva.
que pode nos impedir de dar continuidade no nosso processo de evolução.
A verdade é que não existe trono de primeiro lugar nenhum.
Existe sim um lugar mais elevado,
uma posição em que todas as pessoas que superam os obstáculos,
que persistem, que lutam,
existe um imenso podium para todas as pessoas que conseguirem chegar lá.
Quando essas pessoas atingem esse primeiro lugar,
elas não devem ser vistas como concorrentes que devem ser destronadas.
Elas também não devem ser vistas como pessoas que tiraram a possibilidade de outras.
Porque não se trata de uma grande competição em que para alguns vencerem outros tiveram que perder.
As pessoas que chegaram ao podium devem ser vistas como exemplos,
como pessoas que conseguiram atingir patamares supostamente impossíveis de serem alcançados.
Elas devem ser vistas como inspiração.
E quando essas pessoas alcançam esse podium,
Elas normalmente não ficam satisfeitas, e buscam construir podiuns novos, ainda mais elevados.
E elas começam a quebrar novos paradigmas,
Elas começam a tornar outras coisas impossíveis em coisas possíveis.
E todos aqueles que estavam abaixo delas vão seguindo seus passos.
E assim cada vez mais pessoas vão seguindo os exemplos daqueles que estão mais acima,
E cada vez mais pessoas alcançam os andares mais elevados.
E todo o tecido social se eleva, porque não é mais competição.
Não é mais uma disputa pelo suposto único primeiro lugar.
Não há mais vencedores e perdedores.
Há apenas quem chega antes e quem chega depois.
Há aqueles que abrem as portas e aqueles que vem atrás e entram por essas portas.
Não é mais sobre ser melhor do que o outro para conquistar um lugar mais elevado.
É sobre ser melhor do que era ontem, para conseguir chegar em um lugar mais elevado.
Não é mais sobre competição, agora é sobre transformação e evolução.
E a sociedade inteira ganha, porque essa estratégia permite que todos vençam,
porque assim como previsto no Equilíbrio de Nash,
a melhor solução para chegar no topo é aquela que é boa para si e também para os demais,
porque quando um chega no topo, ele permite que os demais também cheguem lá.
O primeiro que chega, abre as portas para os demais entrarem.
Assim como na teoria dos jogos infinitos, a grande sacada é manter o jogo funcionando.
É estar focado em se adaptar e persistir para continuar no jogo,
sempre buscando se aperfeiçoar para conseguir passar para a próxima fase,
sem se preocupar com o que os outros estão fazendo ou deixando de fazer.
A nossa percepção, portanto, é equivocada em relação às melhores estratégias de jogo.
Porque as decisões mais eficientes não são aquelas que podem beneficiar apenas nós.
A nossa percepção é equivocada em relação aos tipos de jogos que existem.
Porque não existem apenas jogos finitos, jogos competitivos.
Existem jogos infinitos, em que sequer existem vencedores e perdedores.
TEMPO DE MEDITAR | Daiana Oliveira